Massacre de Batepá
#Nestedia, 3 de fevereiro, no ano de 1953, tinha lugar em São Tomé e Príncipe o “massacre de Batepá”, um episódio de terror e violência colonial que resultará na morte de centenas de são-tomenses, na sequência de protestos e da recusa do trabalho compelido nas roças.
Os acontecimentos radicavam nas condições laborais do arquipélago, na hierarquia e nas clivagens socioeconómicas e raciais da sociedade são-tomense. O regime produtivo em São Tomé e Príncipe assentava no trabalho contratado e forçado, por norma assegurado por mão-de-obra compelida de angolanos, moçambicanos e cabo-verdianos. Já os nativos são-tomenses, os “forros”, parte da elite política e económica local, não abrangidos pelo Estatuo do Indigenato, recusavam o trabalho assalariado e forçado. No entanto, eram recorrentes as queixas de rusgas e sequestros de nativos para o trabalho forçado, fosse em obras públicas, fosse nas roças.
Perante a escassez de mão-de-obra, o Governo de São Tomé, embora o desmentisse, pretenderia obrigar os “forros” ao trabalho a contrato nas roças de cacau e café, submetendo esta população ao estatuto dos indígenas e ao regime de trabalho forçado, o que leva aos protestos que suscitarão a chacina perpetrada pelo poder colonial.
Na noite de 2 para 3 de fevereiro, na vila da Trindade, os “forros” arrancam das paredes da vila uma Nota Oficiosa do Governo desmentindo a pretensão de sujeitar os nativos são-tomenses ao trabalho contratado nas roças. No dia seguinte começa a repressão dos protestos, havendo registo de confrontos com as autoridades portuguesas que respondem com armas de fogo. A morte de um alferes branco inflamará a repressão. Os relatos revelam episódios hediondos de terror e perseguição da população nativa.
A “operação de limpeza”, como era referida pelas autoridades portuguesas, continuou nos dias seguintes, estendendo-se da localidade de Batepá e da vila da Trindade a outros pontos da ilha.
Numa voragem de violência, sucederam-se rusgas, assassinatos, prisões, violações, torturas (desde espancamentos a choques elétricos), casas incendiadas, purgas no funcionalismo público, deportações e o envio para campos de trabalho forçado, de tal modo violento que causou a morte de vários nativos cujos corpos foram atirados ao mar por ordem do Governador Carlos Gorgulho, o responsável pelo “massacre de Batepá” ou “Guerra da Trindade” que contou com a participação Corpo de Polícia Indígena, da população branca e com alguns trabalhadores contratados, agastados com o privilégio relativo dos “forros”.
A violência foi justificada com uma pouco credível revolta comunista e separatista de ramificações internacionais que previa até o assassinato do próprio Governador.
O regime tentou silenciar o massacre, mas o advogado oposicionista Manuel João da Palma Carlos assumiu a denúncia do caso e a defesa dos presos de Batepá, conseguindo a libertação de muitos deles.
Carlos Gorgulho, pressionado por Salazar, pede a exoneração do cargo e receberá, em fevereiro de 1954 um louvor pela forma como conteve a revolta e, por outros motivos, a Grã-Cruz da Ordem Militar de Avis em 1956.
Quase 70 anos passados sobre o “Massacre de Batepá”, não há certezas quanto ao número de mortos. A data é assinalada como o momento simbólico e fundador do nacionalismo são-tomense e, sendo anterior ao início da guerra colonial (1961), é bem representativa do carácter violento do colonialismo português.
Nota: A Fundação Mário Soares – Maria Barroso no âmbito da cooperação com o Arquivo Histórico de S. Tomé e Príncipe disponibiliza no site Casa Comum um conjunto de documentação relativo a São Tomé e Príncipe e, especificamente, ao “Massacre de Batepá”.